"De sacola e bordão, o velho Garrinchas fazia os possíveis para se aproximar da terra. A necessidade levara-o longe demais. Pedir é um triste ofício, e pedir em Lourosa, pior. Ninguém dá nada. Tenha paciência, Deus o favoreça, hoje não pode ser - e beba um desgraçado água dos ribeiros e coma pedras! Por isso, que remédio senão alargar os horizontes, e estender a mão à caridade de gente desconhecida, que ao menos se envergonhasse de negar uma côdea a um homem a meio do padre-nosso. Sim, rezava quando batia a qualquer porta. Gostavam... Lá se tinha fé na oração, isso era outra conversa. As boas acções é que nos salvam. Não se entra no céu com ladainhas, tirassem daí o sentido. A coisa fia mais fino! Mas, enfim... Segue-se que só dando ao canelo por muito largo conseguia viver.
E ali vinha demais uma dessas romarias, bem escusadas se o mundo fosse de outra maneira. Muito embora trouxesse dez réis no bolso e o bornal cheio, o certo é que já lhe custava arrastar as pernas. Derreadinho! Podia, realmente, ter ficado em Loivos. Dormia, e no dia seguinte, de manhãzinha, punha-se a caminho. Mas quê! Metera-se-lhe na cabeça consoar à manjedoira nativa... E a verdade é que nem casa nem família o esperavam. Todo o calor possível seria o do forno do povo, permanentemente escancarado à pobreza.
Em todo o caso sempre era passar a noite santa debaixo de telhas conhecidas, na modorra de um borralho de estevas e giestas familiares, a respirar o perfume a pão fresco da última cozedura... Essa regalia ao menos dava-a Lourosa aos desamparados. Encher-lhes a barriga, não. Agora albergar o corpo e matar o sono naquele santuário colectivo da fome, podiam. O problema estava em chegar lá. O raio da serra nunca mais acabava, e sentia-se cansado. Setenta e cinco anos, parecendo que não, é um grande carrego. Ainda por cima atrasara-se na jornada em Feitais. Dera uma volta ao lugarejo, as bichas pegaram, a coisa começou a render, e esqueceu-se das horas. Quando foi a dar conta passava das quatro. E, como anoitecia cedo não havia outro remédio senão ir agora a mata-cavalos, a correr contra o tempo e contra a idade, com o coração a refilar. Aflito, batia-lhe na taipa do peito, a pedir misericórdia. Tivesse paciência. O remédio era andar para diante. E o pior de tudo é que começava a nevar! Pela amostra, parecia coisa ligeira. Mas vamos ao caso que pegasse a valer? Bem, um pobre já está acostumado a quantas tropelias a sorte quer. Ele então, se fosse a queixar-se! Cada desconsideração do destino! Valia-lhe o bom feitio. Viesse o que viesse, recebia tudo com a mesma cara. Aborrecer-se para quê?! Não lucrava nada! Chamavam-lhe filósofo... Areias, queriam dizer. Importava-se lá.
E caía, o algodão em rama! Caía, sim senhor! Bonito! Felizmente que a Senhora dos Prazeres ficava perto. Se a brincadeira continuasse, olha, dormia no cabido! O que é, sendo assim, adeus noite de Natal em Lourosa...
Apressou mais o passo, fez ouvidos de mercador à fadiga, e foi rompendo a chuva de pétalas. Rico panorama! Com patorras de elefante e branco como um moleiro, ao cabo de meia hora de caminho chegou ao adro da ermida. À volta não se enxergava um palmo sequer de chão descoberto. Caiados, os penedos lembravam penitentes. Não havia que ver: nem pensar noutro pouso. E dar graças!
Entrou no alpendre, encostou o pau à parede, arreou o alforge, sacudiu-se, e só então reparou que a porta da capela estava apenas encostada. Ou fora esquecimento, ou alguma alma pecadora forçara a fechadura. Vá lá! Do mal o menos. Em caso de necessidade, podia entrar e abrigar-se dentro. Assunto a resolver na ocasião devida... Para já, a fogueira que ia fazer tinha de ser cá fora. O diabo era arranjar lenha. Saiu, apanhou um braçado de urgueiras, voltou, e tentou acendê-las. Mas estavam verdes e húmidas, e o lume, depois de um clarão animador, apagou-se. Recomeçou três vezes, e três vezes o mesmo insucesso. Mau! Gastar os fósforos todos é que não.
Num começo de angústia, porque o ar da montanha tolhia e começava a escurecer, lembrou-se de ir à sacristia ver se encontrava um bocado de papel. Descobriu, realmente, um jornal a forrar um gavetão, e já mais sossegado, e também agradecido ao céu por aquela ajuda, olhou o altar.
Quase invisível na penumbra, com o divino filho ao colo, a Mãe de Deus parecia sorrir-lhe. Boas festas! - desejou-lhe então, a sorrir também. Contente daquela palavra que lhe saíra da boca sem saber como, voltou-se e deu com o andor da procissão arrumado a um canto. E teve outra ideia. Era um abuso, evidentemente, mas paciência. Lá morrer de frio, isso vírgula! Ia escavacar o ar canho. Olarila! Na altura da romaria que arranjassem um novo.
Daí a pouco, envolvido pela negrura da noite, o coberto, não desfazendo, desafiava qualquer lareira afortunada. A madeira seca do palanquim ardia que regalava; só de cheirar o naco de presunto que recebera em Carvas crescia água na boca; que mais faltava? Enxuto e quente, o Garrinchas dispôs-se então a cear. Tirou a navalha do bolso, cortou um pedaço de broa e uma fatia de febra e sentou-se. Mas antes da primeira bocada a alma deu-lhe um rebate e, por descargo de consciência, ergueu-se e chegou-se à entrada da capela. O clarão do lume batia em cheio na talha dourada e enchia depois a casa toda. É servida? A Santa pareceu sorrir-lhe outra vez, e o menino também. E o Garrinchas, diante daquele acolhimento cada vez mais cordial, não esteve com meias medidas: entrou, dirigiu-se ao altar, pegou na imagem e trouxe-a para junto da fogueira. — Consoamos aqui os três - disse, com a pureza e a ironia de um patriarca.
— A Senhora faz de quem é; o pequeno a mesma coisa; e eu, embora indigno, faço de S. José."
Em Portugal, considera-se tradicionalmente que existe um modo condicional que compreende dois tempos: o presente do condicional (estimaria) e o pretérito do condicional (teria estimado; cf. João António Lopes, Dicionário de Verbos Conjugados, Coimbra, Livraria Almedina, 1995).
Julgo que também é prática corrente falar em condicional simples (estimaria) e condicional composto (teria estimado). Mas não encontro referência que confirme o uso corrente das classificações referidas pela consulente. No Dicionário Terminológico, tal como ele se encontra disponível em linha, não se cruzam os modos verbais com os tempos verbais; contudo, é de supor que se mantenham os termos classificatórios tradicionais.
(...)Habitualmente (...), quando se classifica um verbo, costuma dizer-se presente do indicativo, presente do conjuntivo, mas imperativo presente, condicional presente, infinitivo presente. É pouco comum dizer-se presente do condicional. (...) Edite Prada 23 de fevereiro de 2005
Senão, uma só palavra, pode ser um substantivo ou um elemento de ligação (uma conjunção, um advérbio ou uma preposição). Se não são duas palavras: “se” (conjunção condicional, pronome ou partícula apassivante), seguido do advérbio de negação “não”. Vou apresentar exemplos de diversas situações em que ocorrem. 1. Senão 1.1. Como substantivo, significa mácula, defeito, leve falta: “Não há bela sem senão.” 1.2. Como elemento de ligação, pode ter os seguintes significados: a. de outro modo, de contrário, de outra forma, quando não (na sequência de uma ordem, pedido, conselho, ameaça ou expressão de intenção): “Fala mais alto, senão não te oiço.” b. mas, mas sim, porém: “Não dá quem tem, senão quem quer bem.” c. a não ser, mais do que: “O que é a vida senão uma luta?” d. à excepção de, excepto: “Ninguém falou senão o meu irmão.” e. apenas, só: “Ela não é dona, senão sócia.” f. na construção “não... senão”, que significa só, somente, apenas, unicamente (equivalente à construção francesa “ne...que”): “Ele não tinha senão uma atitude a tomar: proteger a mãe.” g. na locução conjuncional “senão quando”, que significa de repente, quando subitamente, eis que: “Estávamos quase a dormir, eis senão quando se ouve um estrondo.” h. na locução “senão que”, que significa mas antes ou mas ao contrário: “Não há que falar, senão que agir.” i. na construção “não só... senão”, significando mas também: “Não só roubou, senão destruiu.” 2. Se não 2.1. Quando o “se” é uma conjunção condicional que introduz uma oração na negativa, o verbo pode vir expresso ou estar subentendido: 2.1.1. Com o verbo expresso: “Quando o leite está ao lume, se não estiveres a olhar, ele verte.”; “Só há jogo, se não chover.”; “Ele dirá tudo, se não o impedirem.” 2.1.2. Com o verbo subentendido: “Estavam lá dezenas de jovens, se não centenas.” Subentende-se aqui a mesma forma verbal da primeira oração (“estavam”). Uma regra simples para se verificar esta situação (2.1.2.): neste caso é possível introduzir a expressão “é que” entre o “se” e o “não”: “Estavam lá dezenas de jovens, se é que não estavam centenas!” 2.2. Exemplo de “se” como pronome em frase negativa: “Quem se não sente de agravos, não é honrado.”; “Quem se nãocansa sempre alcança.” 2.3. Exemplo de “se” como partícula apassivante: “Apesar de se não verem as gaivotas, já cheira a maresia.”
A finalizar, queria chamar atenção para a situação 1.2. a. Aí a palavra “senão” pode ser substituída por “se não falares mais alto”, o que poderá levar à dúvida: se afinal está lá subentendido um verbo (o verbo falar), por que razão deverá ser “senão” em vez de “se não”, conforme a situação 2.1.? Acontece que em 1.2.a. não se está a subentender a mesma forma verbal (pessoa, número, tempo) da oração anterior, como acontece em 2.1.2. Essa palavra “senão”, por si só, não forma oração, mesmo que elíptica (não há mais nenhum elemento; segue-se outra ideia: “não te oiço”). O mesmo não acontece em 2.1.2. em que está subentendida a mesma forma verbal, pessoa, tempo, modo e voz.